Os sapos de Fernando de Noronha vivem em uma sociedade que parece ter sido criada por José Saramago. A cegueira e outras deficiências são frequentes entre os animais da ilha. E eles vivem bem assim, obrigado.
Os cientistas sabem como os bichos conseguem sobreviver. No continente, um sapo cego seria comido por uma serpente antes que pudesse refletir sobre a sua condição. Mas em Noronha os animais não têm predadores.
O que se quer saber agora é como pelo menos metade dos sapos da ilha tiveram malformações. Os cientistas estão levantando hipóteses.
Uma possibilidade, por enquanto derrubada, dizia que parasitas poderiam ter se espalhado entre os sapos. Mas os cientistas reviraram os bichos sem achar sinal de que essa fosse a causa.
Uma outra possibilidade é a contaminação ambiental, que tem grande potencial para criar deformações. Noronha, porém, é uma ilha limpa, e todo o lixo é enviado para o continente.
A melhor hipótese que resta está ligada à genética. Cruzamentos entre sapos aparentados entre si teriam contribuído para que mutações “ruins” se espalhassem.
Faz sentido, porque a espécie apareceu em Noronha há cerca de um século. Um padre levou uns poucos sapos do continente para a ilha. Segundo os relatos que antigos moradores de Fernando de Noronha contavam, os insetos não deixavam a horta do sacerdote em paz.
A ideia era controlar os insetos. As alfaces do padre foram salvas, e os sapos acabaram se multiplicando.
Os cientistas ainda relutam em cravar que a causa é genética porque isso, apesar de comum em humanos e outros animais, seria inédito entre sapos, diz Felipe Toledo, biólogo da Unicamp.
Ainda assim, uma taxa de malformações de 50% justifica tal hipótese. “Em uma população normal, a taxa é de 2%. E em Noronha ela pode ser ainda maior, porque isso foi o que vimos sem nem abrir o bicho”, conta.
“Tem bicho caolho, tem com pálpebra colada, sem mão, dedo a mais, de tudo.”
“É extremamente intrigante”, diz Duncan Irschick, biólogo da Universidade de Massachusetts que comentou a descoberta a pedido da Folha.
“A inexistência de predadores talvez tenha feito com que faltasse a pressão que remove os mais doentes e fracos, uma ideia instigante”, diz. Isso teria feito com que os genes “defeituosos” não tivessem sido eliminados.
Irschick ressalta, porém, que vários estudos ainda são necessários para dizer com certeza que a causa não é contaminação ambiental.
Sensitivos
Por isso, uma equipe grande foi montada para explicar como vivem os sapos de Noronha. Um dos cientistas, Carlos Jared, especialista em anfíbios do Instituto Butantan, vai estudar as glândulas de veneno dos bichos.
Ricardo Ribeiro, mestrando da Unesp, está estudando a dieta dos animais. Luciano dos Anjos, também da Unesp, e Vera Solferin, da Unicamp, como os eles se relacionam com parasitas e o seu DNA, respectivamente. Há ainda outros cientistas.
Para que trabalhem, vários exemplares de sapos de Noronha foram trazidos. Animais saudáveis do continente também foram capturados, para comparações.
“Os sapos cegos são muito mais perceptivos”, diz Jared. “Se você coloca uma barata perto de um sapo normal, ele é meio lerdão. Mas os cegos a percebem rápido. Devem ter outros sentidos mais aguçados, talvez percebam bem cheiro ou vibração.”
Na ilha, os sapos estão comendo milhões de insetos por ano, diz Toledo. Mas ninguém sabe o quanto isso é preocupante. “A fauna de insetos de lá é desconhecida. Ninguém trabalha com isso.”
(Fonte: Ricardo Mioto/ Folha.com)
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