Brasil testa vacina da dengue

Imunizante promete proteger contra os 4 tipos do vírus. Crianças são prioridade

Uma vacina contra dengue, que está sendo testada por cientistas brasileiros, promete ser mais um recurso para evitar a infecção pelo vírus transmitido pelo mosquito Aedes aegypti. A vacina contra os quatro tipos identificados usa uma tecnologia que combina DNA do vírus da dengue e o do vírus da febre amarela.

O resultado é o que cientistas chamam de um vírus quimérico. Ele é vivo, atenuado, mas não é nem o da febre amarela nem o da dengue. Espera-se que possa oferecer proteção ao estimular o sistema de defesa do organismo a produzir anticorpos contra a doença.

Em em São Paulo, o laboratório Sanofi Pasteur apresentou detalhes da pesquisa. A vacina foi fabricada usando o mecanismo genético da multiplicação do vírus da febre amarela - mais estável e conhecido do que o da dengue - e um trecho do DNA do vírus da dengue que determina a produção de uma proteína da membrana externa do vírus. Essa proteína não causa a doença, mas serve de alerta para o organismo humano sobre a presença do microorganismo.

- A vacina tetravalente traz quatro sorotipos e conseguiu uma resposta imunológica boa contra todos eles. As demais vacinas apresentaram resposta para dois ou três sorotipos - diz Fernando Noriega, vice-presidente associado de desenvolvimento clínico da Sanofi Pasteur para a América Latina.

Segundo ele, pesquisas revelam que a imunização prévia contra a febre amarela potencializa a resposta da vacina contra a dengue. O esquema é de três doses, aplicadas com intervalos de seis meses. Para quem já tomou a vacina contra a febre amarela, duas doses da tetravalente contra dengue equivalem a três.

- O imunizante é seguro, com efeitos locais e leves, como mal-estar, febre e dor de cabeça, em proporção similar à verificada no grupo de controle, que recebeu placebo ou outra vacina - diz Noriega.

Ainda não se sabe por quanto tempo a vacina será capaz de proteger o organismo:

- Vacinas com o vírus vivo dão proteção por alguns anos e não sabemos a duração do efeito da tetravalente. Vimos que a resposta imunológica cresce a cada vez que a pessoa entra em contato com o vírus selvagem, quando ela é infectada. Portanto, em regiões endêmicas, acredito que terá longa duração.

No Brasil, os testes de fase dois - para avaliar a produção de anticorpos e a segurança do imunizante - começaram no fim de agosto. A pesquisa está sendo realizada em Vitória, no Espírito Santo, pelo Núcleo de Doenças Infecciosas da Universidade Federal do Espírito Santo e prevê incluir 150 pessoas, entre crianças e adolescentes sadios com idades entre 9 e 16 anos.

- Já recrutamos 50 pessoas. É provável que, até o fim de outubro, tenhamos completado as cem que faltam. O estudo vai durar 18 meses. E não basta que os pais concordem que o filho participe, a criança ou o adolescente recebe esclarecimentos e assina um documento dizendo se concorda. Tudo é avaliado por um comitê internacional de monitoramento e passou pelas normas da Anvisa - explica Reynaldo Dietze, coordenador do estudo em Vitória.

Confiante nos bons resultados dos testes apresentados até agora, o laboratório planeja ampliar a pesquisa no país, incluindo oito mil pessoas em Goiânia, Natal, Fortaleza e Campo Grande.

A inclusão de crianças nos testes foi necessária devido a uma mudança na doença, que a partir de 2007 começou a vitimar mais esse grupo etário. Essa alteração no cenário mundial começou pela Ásia.

- A migração de casos mais graves para as crianças começou em 2007. No início da década de 2000, crianças abaixo de 15 anos nunca representavam mais de 25% dos casos. Depois de 2007, elas passam a ser bem mais de 25% - ressalta o médico João Bosco Siqueira Junior, professor adjunto do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Goiás, que também integra o estudo.

Para Noriega, em função desse cenário, é provável que os países, quando forem determinar que faixas etárias vacinar primeiro, decidam pelas crianças:

- O impacto da imunização pode ser maior se a vacinação for feita antes do pico em que ocorre o maior número de casos graves, ou seja, na infância. Ou nos países em que acontecem mais casos em adultos, que se vacinam na adolescência.

As pesquisas estão mais adiantadas na Tailândia, onde os vírus são mais agressivos. Os resultados do primeiro estudo de eficácia com quatro mil crianças tailandesas de 4 a 11 anos de idade estarão prontos em 2012. O imunizante também vem sendo testado em Estados Unidos, Austrália, México, Porto Rico, Honduras, Colômbia, Peru e em países da Ásia.

Segundo o laboratório, ainda não há uma previsão para a vacina chegar ao mercado.

- Ainda temos alguns anos pela frente para pesquisar e investir antes de a vacina ser aprovada. Estamos trabalhando para que esse produto chegue o mais rapidamente possível à população, mas não será certamente em 2012 ou 2013, por conta dessas exigências e etapas que são necessárias - explica a pediatra Lúcia Bricks, diretora de saúde Pública da Sanofi Pasteur Brasil.

Ainda no Brasil, cientistas da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio, e do Instituto Butantan, em São Paulo, desenvolvem experiências para a produção de vacina contra os quatros sorotipos. Elas já foram testadas em animais. Enquanto uma vacina não chega, a medida mais eficaz continua a ser evitar a proliferação do mosquito.

(Flavia Junqueira - O Globo)

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