O amigo oculto da preguiça

Pelo de mamífero abriga um tipo de alga verde que vive em simbiose e não existe em mais nenhum lugar da natureza
Não é segredo para os biológos que o tom marrom-esverdeado dos grossos pelos das preguiças se deve à presença de organismos clorofilados. Algas verdes e cianobactérias (algas azuis) escondidas na pelagem ajudam esses lentos mamíferos que vivem trepados nas árvores a se camuflar na mata e despistar seus predadores. Mas os pesquisadores não imaginavam que essa parte do corpo das preguiças pudesse abrigar um miniecossistema tão variado.

Um estudo filogenético feito com amostras da pelagem de 71 animais, pertencentes às seis espécies de preguiça existentes, encontrou material molecular oriundo de 72 grupos distintos de organismos – desde aranhas, mariposas, besouros e baratas até um grande número de micróbios. “Havia seres que eram produtores (algas), consumidores (protozoários) e decompositores (fungos) de alimentos”, afirma o ecólogo Adriano Chiarello, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), um dos autores do trabalho, publicado em 30 de março deste ano na revista BMC Evolutionary Biology. “Isso não era esperado.” Outra informação interessante foi a grande incidência de um grupo de algas verdes do gênero Trichophilus, identificadas na pelagem de 73% das preguiças analisadas, independentemente de sua origem geográfica.

O dado reforça a ideia de que há realmente uma antiga relação de simbiose entre as preguiças e as algas. Esse tipo de mamífero só ocorre nas florestas tropicais da América Central e do Sul e os animais analisados no trabalho eram provenientes de quatro países: Brasil, Guiana Francesa, Costa Rica e Panamá. Os pesquisadores acreditam que uma espécie de alga verde, a Trichophilus welckeri, descoberta há mais de um século e meio, seja encontrada na natureza apenas nos pelos das preguiças. “A alga foi descrita em 1841 em amostras da pelagem desses animais e nunca mais foi documentada em outros hábitats”, comenta a finlandesa Milla Suutari, da Universidade de Helsinque, outra autora do estudo. “Provavelmente ela não está presente em mais nenhum ambiente.” Se essa hipótese estiver correta, trata-se de uma alga que acabou se desenvolvendo em paralelo à história evolutiva desses solitários escaladores de árvores, talvez estabelecendo uma estreita relação com seu hospedeiro por excelência.

Fonte de nutrientes - A pelagem das preguiças parece ser realmente um bom meio de cultura de algas. Tem estrias e fissuras e, ao contrário do pelo de outros mamíferos, absorve água. Além de fornecer um despiste cromático para os mamíferos, as algas talvez sejam uma pequena fonte extra de nutrientes que seriam absorvidos via difusão pela pele das preguiças. Outras hipóteses ainda não testadas têm sido propostas para explicar essa estreita ligação entre algas e preguiças. As algas poderiam, por exemplo, produzir substâncias que deixariam os pelos com a textura mais apropriada para o crescimento de bactérias benéficas. Ou ainda produzir certos tipos de aminoácidos que absorveriam raios ultravioleta, ou seja, atuariam como protetores solares para as preguiças. As algas do gênero Trichophilus se perpetuam entre as preguiças passando provavelmente das mães para os filhotes, quando estes alcançam algumas semanas de vida, sugere o estudo. Entre os 19 animais que não abrigavam essas algas, sete eram bebês. Talvez no momento em que as amostras de pelo foram recolhidas para o estudo esses tenros filhotes ainda não tinham tido tempo de contato suficiente com as mães para adquirir o amigo verde.

As preguiças se dividem em dois gêneros: o Bradypus, em que estão as chamadas preguiças de três dedos, com quatro espécies (B. tridactylus, B. torquatus, B. variegatus e B. pygmaeus); e o Choloepus, as preguiças de dois dedos, com duas espécies (C. didactylus e C. hoffmanni). A presença das algas verdes também parece seguir esse padrão, visto que as espécies de Trichophilus identificadas num gênero são aparentemente distintas das achadas no outro. Com exceção da B. pygmaeus, existente apenas numa ilha do Panamá, as outras cinco espécies são encontradas no Brasil. Uma delas, a B. torquatus, popularmente conhecida como preguiça-de-coleira e que está ameaçada de extinção, só existe na Mata Atlântica brasileira. Por ser um bicho exclusivo das florestas nacionais, a preguiça-de-coleira foi a única representante brasileira no estudo sobre algas que vivem na pelagem desse mamífero. Embora tenham sido identificados vários tipos de algas terrestres no pelo da B. torquatus, exemplares do gênero Trichophilus não foram achados. Também na C. didactylus algas desse gênero não foram encontradas. Mas, como havia amostras de pelos de somente dois exemplares dessa espécie, não foi possível fazer uma análise mais definitiva nesse caso. “Gostaríamos agora de estudar a presença de algas em preguiças-comuns (B. variegatus) que têm uma ampla distribuição no Brasil, incluindo a Mata Atlântica e boa parte da Amazônia brasileira”, diz Chiarello.

Artigo científico

SUUTARI. M. et al. Molecular evidence for a diverse green algal community growing in the hair of sloths and a specific association with Trichophilus welckeri (Chlorophyta, Ulvophyceae). BMC Evolutionary Biology. publicado on-line em 30 mai. 2010.

Fasesp - Marcos Pivetta
Edição Impressa 172 - Junho 2010

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