Um modelo ambiental do Sul


São Paulo pode se tornar um grande laboratório para o avanço do conhecimento sobre mudanças climáticas globais.

Carlos Nobre, 58 anos, um dos mais respeitados e premiados estudiosos brasileiros do clima e das mudanças climáticas globais, chegara de uma estada de seis dias em Copenhague, Dinamarca, na manhã daquele domingo, 19 de dezembro, depois de ver até o final dissiparem-se todas as esperanças de assinatura de um tratado internacional consistente de prevenção e combate aos efeitos do aquecimento do planeta. À tarde, em sua agradável casa num condomínio em São José dos Campos, a 97 quilômetros da capital paulista, na companhia atenta e carinhosa de Ana Amélia Costa, com quem fará em julho 25 anos de casado, mantendo a alguma distância seus oito cachorros e nove gatos, ele estava certamente cansado, depois da travessia transoceânica. Mas foi num clima de simpático acolhimento, com a tranquilidade e a notável capacidade expressiva e argumentativa de sempre, que ele falou durante quase duas horas para a equipe de Pesquisa FAPESP.

Os resultados da COP-15 foram objeto, claro, de suas considerações, mas Nobre foi muito além disso: conseguiu delinear, numa espécie de antevisão, o grande laboratório de experiências ambientais avançadas que vê em começo de montagem no estado de São Paulo e procurou mostrar por que o Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais, do qual é o coordenador-geral, tem enorme potencial para ampliar, e muito, a já razoável influência do Brasil no debate científico e nas decisões políticas globais relativas às mudanças climáticas. Abordou seu percurso de pesquisador e duas novas contribuições científicas, inéditas ainda – uma que traz novos elementos para o aprofundamento de sua teoria de savanização da Floresta Amazônica e outra voltada à compreensão da persistência de uma larga zona de transição entre a floresta e o Cerrado na região –, cujos artigos científicos estão em fase de análise em publicações internacionais.
O trabalho científico de Nobre, como se sabe, é fundamental para uma melhor compreensão das relações entre o clima, a floresta tropical, os impactos do desmatamento e do aquecimento global na Amazônia.

Engenheiro eletrônico formado pelo Instituto de Tecnologia de Aeronáutica (ITA), doutor na área de meteorologia pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e, a rigor, um especialista em modelagem matemática de cenários climáticos, com um pós-doc nesse campo na Universidade de Maryland, Nobre acumula muitos prêmios decorrentes de seu trabalho científico, entre os quais podem-se incluir, como membro do IPCC que é, o Nobel da Paz de 2008 e o mais recente recebido este ano, o WWF -Brasil Personalidade Ambiental e o Von Humboldt Medal da European Geophysical Union. São vitórias que parecem justas para quem sempre se inclinou com determinação para os caminhos mais desafiadores que foram lhe surgindo pela vida afora. E são, sem dúvida, extraordinariamente gratificantes para o descendente de imigrantes italianos, por parte de mãe, que se fixaram inicialmente em Salto, São Paulo, e de migrantes baianos que se estabeleceram em Conquista, Triângulo Mineiro. Ou para o filho mais velho de Wilson Nobre, um jogador profissional de futebol, ex-operário em São Paulo, que morreu cedo, deixando ao então jovem estudante de engenharia eletrônica, ex-aluno de escola pública da periferia de São Paulo, a tarefa de levar adiante a manutenção da família e a educação dos irmãos.

Nas páginas que se seguem estão os principais trechos da entrevista de Carlos Nobre.
No olhar de um cientista, a conferência de Copenhague foi mesmo um completo fracasso?
No olhar de um cientista ela obviamente não foi um sucesso. Agora, “um completo fracasso” eu não diria, porque todos ali reconheceram o papel da ciência. Os vários discursos, os vários textos, colocaram o papel da ciência, destacaram o papel do IPCC [Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas] e destacaram que números e metas de qualquer acordo serão revisados periodicamente em função do que a ciência indicar. Então, é um ponto para a ciência, no sentido de que hoje ela está estabelecida no arcabouço dessas negociações e dá a palavra final sobre o que é necessário fazer em termos de metas e quanto aos riscos de a temperatura subir. Agora, isso é quase tudo, pelo menos na visão do cientista, que deu para salvar. A urgência que a ciência coloca para o problema não foi levada devidamente em consideração, porque senão todos esses anos de negociação já teriam levado a alguma decisão muito mais abrangente.

Mas houve algum espaço para o debate científico propriamente no meio da conferência?
Não, as COPs não são espaços onde se discute ciência, e qualquer assunto sobre o qual pairem muitas dúvidas científicas é retirado. Por exemplo, entrar ou não com medidas de mitigação do tipo captura e armazenamento geológico de carbono. Como existe muita incerteza científica sobre isso, ainda que seja uma técnica muito estudada e com algum potencial, ela chega a ser sugerida, mas não entra. Mas, simbolicamente falando, o fato de todos os países concordarem que devem fazer o esforço necessário para que a temperatura não suba mais do que 2 graus Celsius é um feito devido à ciência, assim como o fato de realisticamente se começar a pensar, ao se observar a velocidade com que o nível do mar está subindo e as projeções do que deve subir neste século e no próximo, que 2 graus é muito. Talvez seja muito difícil aquecer só 1,5 grau, mas é possível que todos os esforços tenham que ir realmente na direção de não deixar a composição da atmosfera mudar muito mais em relação ao que está hoje.

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