Num dia de semana, por volta das três da tarde, o professor Josias chegou em casa, tirou os sapatos e sentou no sofá, onde descansou, cochilou, até seu filho de cinco anos acordá-lo. “Oi pai, vamos brincar, vamos aproveitar, já que o senhor não trabalha, só dá aula mesmo...”. O professor, cansado de aulas em dois turnos intermináveis, manhã e noite, sentou-se ao lado do filho e passou o resto do dia tentando explicar para ele que professor é uma profissão, trata-se de um trabalho árduo e digno, embora os horários sejam diferentes.
Essa é, provavelmente, uma das situações mais constrangedores que um profissional, em qualquer atividade, pode enfrentar – o fato de as pessoas não acreditarem que ele trabalha muito e com dignidade. Pior é quando a dúvida vem da própria família. Mesmo alunos do ensino médio acreditam que a vida do professor é boa e calma ou que basta apenas ir lá na frente falar e dar o “ponto”. O problema é que a imagem deixada por alguns professores temporários permanece com muito mais força do que aquela dos efetivos. Existem pessoas formadas em Engenharia, Administração, Economia, Jornalismo, Publicidade enfim, em dezenas de profissões que, por não arrumarem emprego em suas áreas, apelam para o magistério. E muitos desses não atuam como os profissionais de carreira. Pior, essa situação é parente próxima de outra, muito comum em qualquer país do mundo – professores que trabalham em outras atividades para completar o orçamento.
O fato dos professores ministrarem aulas pela manhã e folgarem à tarde pode causar uma má impressão para crianças, leigos, ignorantes que sistematicamente só acreditam em pessoas que cumprem o horário das 8 às 12 e das 13 às 18 horas. Eles trabalham à tarde, sim, senhor. Mesmo aqueles educadores que dobram, manhã e noite, correm o risco de serem chamados de folgados, isto é, as pessoas os vêem em casa à tarde e pensam de uma maneira equivocada. E existe o caso dos professores que, dependendo do contrato, não recebem salário nos meses de férias escolares. Para compensar os rombos no orçamento, eles partem para outras atividades. O efeito publicitário é que ele trabalha apenas nessa época do ano. Se você, professor, precisa de outras atividades para manter o padrão, não se envergonhe, você não está só e a culpa não é sua. O sistema é que está perdido. O importante é que o professor precisa deixar claros suas tarefas, seus compromissos e a enorme responsabilidade que sua profissão exige para aquelas pessoas que realmente importam, filhos, parentes próximos e amigos sinceros. É preciso se revoltar contra essa imagem de que ele “apenas dá aula na vida”. E não se perde a dignidade fazendo outras tarefas por causa do baixo rendimento financeiro no magistério.
É difícil encontrar nas regiões mais pobres do País professores que não trabalhem em outras atividades. O bico tornou-se algo obrigatório na vida dos mestres. As razões são inúmeras. “Eu sou bacharel em Música, trabalho em diversas atividades dentro da minha profissão. Confesso que, como professor, sou um guerreiro apaixonado, porque o Estado atrapalha em todos os sentidos. Deveria haver uma comunicação instituição-estado menos complicada. Acho que, nem que fosse em respeito aos alunos, deveríamos já ter adquirido a consciência de que a educação precária é o que nos distancia da cultura. O Estado trata os seus mestres: com muito desrespeito e total descaso”, diz Christian Weber, professor e músico profissional.
A maior diferença entre a vida do professor e de outros profissionais, além dos salários baixos, é a falta de benefícios. Uma professora do Nordeste, que pediu para não se identificar, desabafou da seguinte maneira: “Eu leciono numa escola técnica e numa faculdade na rede privada. Recebo por hora/aula, no técnico menos de nove reais. Na faculdade, 17 reais por aula”. Não temos nenhum benefício além do salário, como, convênio médico e odontológico e auxílio transporte. Recebo de vale-alimentação apenas 33 reais pro mês! Sou aposentada e garanto que nas férias, se não tivesse tão estressada, teria que trabalhar. Não consigo realizar as mínimas necessidades de atualização e reciclagem que uma professora tem a obrigação de elaborar para estar de acordo com novas tecnologias”.
Um outro problema sério, que existe no Brasil desde a vinda de Dom João VI em 1808, é o atraso dos salários dos professores. Esse é o maior crime que pode acontecer com os sofridos mestres. No caso do ensino público, tornou-se rotina o atraso do pagamento, não apenas por um mês, mas dois, três e até quatro meses. A concepção dos governantes é colocar o ensino em segundo lugar, ou seja, se sobrar dinheiro pagamos os professores. A professora Luciana, da cidade de Barbacena, em Minas Gerais, conta sua experiência. “Sou professora efetiva da rede municipal. Ganhamos até bem (R$ 16,92 hora-aula), mas todos os contratados da rede estão sem pagamento há quatro meses. Como querem exigir qualidade de um profissional que está com suas contas atrasadas há tanto tempo? Fico triste em ver meus companheiros cabisbaixos, tristonhos e mal-humorados, com toda razão. Espero que algum dia sejamos respeitados além de sermos tão julgados”.
Também existem casos de salários atrasados em escolas particulares. E a situação perigosa dos professores que são julgados pelos alunos revoltados. “Sou psicóloga de uma grande instituição educacional em São Paulo. Meu cargo era voltado para o atendimento dos alunos. Atualmente, 90% das pessoas que atendo são professores desanimados com a falta de respeito. Eles reclamam que os alunos falam para eles: ‘Arrume um emprego decente, encontre uma profissão’”, conta Janaína Santos, psicóloga.
Numa pesquisa realizada pela Profissão Mestre, as maiores reclamações são o descaso que os professores sofrem e a falta de respeito generalizada, isto é, em relação aos professores que trabalham em outros “bicos” e também sobre aqueles que ganham bem, trabalham apenas um período e passam por folgados porque no restante do dia estão em casa. Ora, é tempo para deixar claro a todos que não é indigno a um professor trabalhar em outras atividades, embora isso não seja o ideal. Enquanto os projetos educacionais do Brasil não decolam e a situação se normalize, a realidade passa por esse inconveniente. E também é preciso mostrar ao mundo que os professores trabalham nas classes durante períodos exaustivos de aulas, falando e escrevendo, raciocinando e discernindo, respondendo perguntas e educando. Acrescente a isso a preparação das aulas, a correção das provas e o minucioso exame dos trabalhos escolares.
Profissão Mestre
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