Educação e Sensibilidade

Bloemfontein é uma cidade da África do Sul que fica na metade do caminho entre Cape Town, capital legislativa, e Joanesburgo, a maior cidade do país.

Seu nome significa “fonte de flor” e ela é conhecida, justamente, pelas belezas naturais. No entanto, até 1994, acontecia algo impensável para os brasileiros: havia apenas escolas distintas para brancos e negros e um sistema diferente para cada uma delas. O modelo, claro, não segregou apenas raça e costumes: os bons colégios melhoraram muito e os ruins ficaram cada vez piores.

Após aquele ano, as instituições de ensino foram se diversificando, tanto na composição dos alunos quanto no modelo de ensino, e foi no final dessa transição que a professora Sarietjie Musgrave (lê-se “Sariki”) começou a lecionar. Além dos problemas para adaptar o currículo, a educadora se deparou com tristes realidades que teve de enfrentar. “Lido com muita diversidade no perfil socioeconômico. Todos os dias, o meu desafio é entender: quem ainda está com fome? Qual a família que está afetada pela AIDS?”, conta.

O cotidiano também é um fator que pesa: Sarietjie o considera demasiadamente cheio. “Começo às 7h30 da manhã e dou aulas direto até às 14h45, com apenas 30 minutos de intervalo. Depois disso, temos de dar esporte e atividades culturais para os alunos. E aí, quando chego em casa, tenho os filhos, a família e as aulas do dia seguinte para preparar.”

Mas essa rotina não impediu que a professora desenvolvesse projetos extras e melhorasse a vida escolar e a comunidade, com iniciativas sempre atreladas à tecnologia. Em 1997, em uma das escolas em que trabalhava, conta a professora, nem mesmo os professores de computação sabiam ligar o computador. Ensiná-los e também aos alunos seria um trabalho complexo e exigiria muito tempo dispensado. Então, ela criou a seguinte estratégia: deu aulas para os alunos sobre o assunto e cada um deles deveria “adotar” um professor. “Outras escolas também fizeram isso. Os ‘alunos-professores’ entrevistavam os docentes para saber quais competências queriam aprender e eles mesmos desenvolveram o material didático”, explica Sarietjie.

Envolver os estudantes com a comunidade é um traço forte dos projetos da professora. Um dos trabalhos que ela desenvolveu, por exemplo, fez com que suas estudantes pesquisassem sobre deficiências que afetavam os alunos, buscando atender a demanda de pais que apresentavam muitas dúvidas ao lidar com filhos que tinham algum problema físico ou mental. “Formei um grupo de pesquisa com elas que procuraram quais eram os problemas das pessoas com necessidades especiais na comunidade. Fizemos o mapeamento e espalhamos vários cartazes de orientação sobre o assunto”, salienta.

Três delas, segundo a professora, arrecadaram fundos para um menino fazer implante coclear (de um dispositivo eletrônico para audição). “E ele voltou para a escola normal. Foi gratificante, pois uma delas tinha a mãe surda e todos sentiram que fizeram a diferença para aquela criança. Deu tão certo que elas até publicaram o trabalho em um jornal de medicina.”

Outras iniciativas são simples, como ensinar pessoas desempregadas a elaborarem um currículo no computador e a levar tecnologia para os idosos. “Uma turma visitava uma casa de repouso e tinha uma senhora, da Grécia, que queria falar com a família e não conseguia. Eles ajudaram-na a usar o e-mail e ela passou a manter um diálogo constante, mudou a vida daquela mulher. Muitas vezes a inovação não está em algo mirabolante, mas simplesmente em uma solução”, enfatiza.

Em meio a realidades sociais tão distintas, a educadora resolveu reunir adolescentes de 16 anos para aprenderem a fazer pesquisa com base metodológica junto com profissionais da Universidade da Inglaterra. “Os professores ensinam o método e eles pesquisam as necessidades das crianças na comunidade e passam os dados para que os docentes tenham noção daquela realidade”, explica. Outra medida é realizar um intercâmbio entre escolas de condições diferentes. “Para muitos, é a primeira vez que uma criança negra se senta ao lado de uma branca”. Apesar das diferenças sociais, elas entendem que os anseios e necessidades são os mesmos. “Eles acabam se tornando muito bons amigos”, salienta.

Para Sarietjie, o bom professor deve estar atento para observar o que acontece com o aluno. Na cidade onde ela vive, por exemplo, muitos adolescentes são os chamados “órfãos da AIDS”, que se desdobram para continuar a escola e cuidar dos irmãos mais novos. “E muitos professores não têm nem noção que isso acontece.”

Ela cita um exemplo pessoal: um aluno de seis anos dormia durante toda a aula e, embora ela o acordasse, logo o menino cochilava novamente. Então, a professora descobriu que a casa dele havia sido inundada há pouco tempo. “De tanto medo e assustado, ele dormia em uma árvore. Por isso que tão importante quanto lecionar uma matéria e aplicar uma prova, é essencial garantir que o aluno tenha um ambiente saudável. Só assim a aprendizagem é garantida”, frisa.

Você sabia?

Na África do Sul, segundo a professora Sarietjie Musgrave, as escolas não pertencem ao Estado, mas aos pais. Toda instituição de ensino tem um conselho diretivo que administra as questões da escola. Ele é formado por um número, definido por cada instituição, de professores, pais e alunos, que decide quem será o diretor, os docentes, o idioma adotado para ensino e a religião.

Isadora Rupp - Matéria publicada na edição de dezembro/2009 nº 123 da revista Profissão Mestre

Editora das revistas Profissão Mestre e Gestão Educacional

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