O projeto investiga doenças que vêm acometendo corais brasileiros
Os recifes de corais são tão importantes para a vida marinha que podem ser comparados a verdadeiras florestas submersas. Escolhidos para ser o berçário e local de crescimento de diversas espécies - desde as invertebradas até mesmo as vertebradas de grande porte, como as baleias e aves migratórias -, eles contribuem de forma decisiva para a formação da biodiversidade, além de ser importantes redutos de pesca.
O Brasil possui recifes de coral que não abrigam tantas espécies quanto os do Caribe e do Pacífico, mas que concentram grande quantidade de espécies endêmicas, isto é, que só ocorrem aqui, como em Abrolhos. Apesar da importância incontestável desse santuário marinho, danos ambientais causados pela ação humana vêm contribuindo para a proliferação de doenças infecciosas que afetam os seus corais.
As doenças em corais, reconhecidas pelos especialistas desde os anos 1980, representam a principal causa da perda da cobertura coralínea no mundo. Cerca de 40% dos recifes de corais do planeta já foram dizimados. Pesquisa coordenada pelo professor Fabiano Thompson, do Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IB/UFRJ), e que conta com parceiros em diversas instituições do país, avalia a saúde dos corais no Banco dos Abrolhos, na Bahia. O projeto, que recebeu apoio da Faperj por meio de um Auxílio à Pesquisa (APQ1), investiga as doenças que vêm acometendo corais relacionadas com os vibrios - bactérias que vivem associadas à estrutura coralínea e que até então tinham sido pouco estudadas.
O levantamento dessas doenças fornece ferramentas para avaliar a saúde do ambiente marinho, já que os recifes de coral, devido à sua sensibilidade, são considerados termômetros da conservação dos oceanos. O estudo permitiu também investigar a biodiversidade dos micro-organismos associados a eles, que são causadores das doenças. Uma delas é o branqueamento, relacionado à perda das algas microscópicas zooxantelas, que vivem harmonicamente nos tecidos dos corais, em simbiose, colaborando para sua nutrição. "O branqueamento, considerado um processo unicamente fisiológico do coral e da zooxantela, é uma doença infecciosa causada por vibrios", explica o professor. "Uma das consequências dessa doença é o aspecto esbranquiçado da colônia devido à perda da zooxantela."
As espécies de corais escolhidas para nortear a pesquisa foram a Mussismilia híspida e a Mussismilia brasiliensis, conhecidas popularmente como coral-cérebro. Exclusiva da costa brasileira, do Rio Grande do Norte a Santa Catarina, a Mussismilia é a principal formadora de recifes no país. Mas de acordo com o professor, nos últimos cinco anos foi observada uma redução drástica do número de suas colônias, por metro quadrado, em Abrolhos. "Caso não sejam adotadas medidas de preservação ambiental, o coral-cérebro pode ser extinto em menos de um século", alerta Thompson.
A disseminação das doenças de corais - como branqueamento, necrose e praga branca - pode estar relacionada à poluição e à elevação da temperatura dos oceanos. De acordo com Thompson, a degradação das bacias hidrográficas modifica as características da água, tornando-as mais favoráveis à multiplicação dos vibrios e de outras bactérias indicadoras, tais como Bacteroidetes.
"A poluição aumenta a quantidade de matéria orgânica na água. Os dejetos funcionam como alimento para o desenvolvimento dessas bactérias, fazendo com que elas se proliferem, ou mesmo devido à contaminação de esgotos domésticos com carga bacteriana elevada. O aumento de temperatura da água, especialmente no verão, também favorece a multiplicação de vibrios, o que torna mais frequente as infecções dos corais."
O projeto, que rendeu uma série de publicações em revistas científicas conceituadas, como a Marine Pollution Bulletin, Journal of Applied Microbiology, IJSEM, e Environmental Microbiology Reports (sendo os primeiros trabalhos acerca da microbiologia de corais em âmbito nacional), vem ocupar a lacuna deixada pela escassez de estudos sobre a biodiversidade microbiana marinha brasileira.
"Os biólogos marinhos não estudavam os micro-organismos e não tinham noção de sua importância e de sua abundância nos corais. Há cerca de um milhão de células de vibrio por mililitro de muco ou de tecido de coral", destaca. "Determinamos pela primeira vez a composição das bactérias que se associam a esses corais, saudáveis e doentes, e descrevemos novas espécies, como a Vibrio communis, que é fixadora de nitrogênio e é um dos vibrios mais abundantes no muco de corais."
O trabalho de classificação taxonômica das bactérias de corais está disponível na Internet, no banco de dados http://www.taxvibrio.lncc.br/
O site, construído com o auxílio da professora Ana Tereza Vasconcellos, do Laboratório de Bioinformática do Laboratório Nacional de Computação Científica (LabInfo/LNCC), contém informações das sequências gênicas e dos locais de coleta de cerca de 600 vibrios de corais. O banco também armazena dados taxonômicos de outros animais marinhos, como moluscos e camarões, além de permitir a identificação eletrônica de materiais genéticos isolados e a busca de sequências relacionadas.
Com o objetivo de caracterizar a biodiversidade das bactérias associadas aos corais, os pesquisadores recorreram às técnicas da metagenômica, isto é, aquelas relacionadas à análise das sequências genéticas de uma comunidade inteira de micro-organismos que vivem em um determinado ambiente. Foram coletadas amostras de muco de corais saudáveis e doentes.
"Estamos tentando determinar agora quais são os genes dos vibrios responsáveis pela produção de toxinas que afetam o coral. Em condições controladas de laboratório, em experimentos em aquários na UFRJ, queremos saber se os vibrios são tóxicos a ponto de causar doenças e matar os corais. Este projeto está em andamento e será financiado pelo edital Biotérios, da Faperj", conclui Thompson.
Além do professor Thompson, participaram do projeto de caracterização da diversidade microbiana de corais os professores Ricardo Kruger, da Universidade Nacional de Brasília (UNB); Ana Carolina Vicente, do Instituto Oswaldo Cruz da Fundação Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz); Ana Tereza Vasconcellos, do LNCC; Rodolfo Paranhos e Clóvis B. Castro, ambos da UFRJ; Rodrigo de Moura, da Conservação Internacional (CI-Brasil); Ronaldo Francini Filho, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB); Marcelo Brocchi, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); e alunos de diferentes níveis e bolsistas da Faperj.
(Débora Motta, Boletim On-line da Faperj)
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