Cérebro de mamíferos se dobra seguindo regra da ‘bolinha de papel’

A neurocientista Suzana Herculano-Houzel dirigia na volta para casa enquanto pensava na pesquisa que desenvolvia com o físico Bruno Mota no laboratório de neurociência da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). 


A dupla se debruçou por um ano e meio sobre dados do córtex cerebral de 38 espécies de mamíferos, coletados durante 10 anos. A pesquisa tentava encontrar uma lógica para as “dobras” do cérebro. “Bolinhas de papel!”, foi o pensamento que tal qual uma “Eureka”, deu uma solução simples e ao mesmo tempo inusitada para a pesquisa que será publicada na respeitada revista científica Science.

Para entender a lógica da bolinha de papel (e da pesquisa) é preciso imaginar um cérebro. Ele tem a aparência de uma toalha colocada displicentemente dentro de um recipiente, cheia de dobras e ranhuras. Por anos, a neurociência acreditou que quanto mais o cérebro crescia, mais ele precisava “se dobrar” e que as “dobras” teriam ligação com o número e disposição dos neurônios. Mas as exceções eram muitas. Por exemplo, elefantes, baleias e golfinhos têm cérebros maiores que os de um humano, mas com menos neurônios.

Os cientistas conseguiram pela primeira vez quantificar como a “dobra” do cérebro é feita durante o desenvolvimento do órgão. Tal qual uma bolinha de papel, o cérebro é submetido a forças que o levam a ser dobrado e se estabiliza na posição “mais confortável” possível, ou seja, com menor “energia livre”.

Ao analisar os dados de cérebros de diversos tipos de mamíferos, os pesquisadores perceberam ainda que a espessura do córtex tinha importância na conta final, uma vez que se relacionava com o nível de “dobradura” do cérebro. “Nós percebemos que quanto mais grosso, menos ele se dobrava e que o córtex dobrado permanecia na configuração física mais estável, com menor energia livre”, afirma Bruno Mota, que se sentiu determinado a encontrar uma fórmula matemática que explicasse todos os fenômenos.

“Descobrimos que o córtex do mamífero se dobra aproximadamente quando a área total do córtex cresce mil vezes a mais que o quadrado da espessura do córtex”, resume Mota. “Quando eu vi a fórmula do Bruno aplicada aos dados foi a hora de dar pulinhos no laboratório. Mas ao voltar para casa, pensei: se funciona para o cérebro, funciona para as bolinhas de papel. Cheguei em casa e comecei a testar diversos tamanhos de folha e espessuras para ver se a regra se aplicava e conclui que a mesma lei regia as duas coisas”, conta Suzana.

“Pela primeira vez, todas as espécies se alinharam numa linha reta em um gráfico. Explicamos todas as exceções que ninguém tinha explicado. A resposta era física pura”, conclui a neurocientista.

Os pesquisadores conseguiram ainda, de quebra, explicar doenças como a lisencefalia humana, condição genética que altera o processo de “dobra” do cérebro e causa convulsões e dificuldades de aprendizagem. “Nessa condição, o córtex se torna espesso e com a superfície menor, o que atrapalha que ele se desenvolva normalmente”, explica Suzana.

 (Fonte: UOL)