Há muito se sabe que o envenenamento provocado por serpentes como a
jararaca (Bothrops jararaca) pode causar danos
aos tecidos ao redor do local da picada e estimular um quadro de hemorragia.
Entender as causas desses efeitos, a sua etiologia, no entanto, é um desafio
complexo.
É o que conta o médico veterinário Marcelo Larami Santoro, pesquisador
do Instituto Butantan, em São Paulo, que conduziu o projeto “Importância da
lesão local induzida por metaloproteinases de venenos ofídicos na indução de
plaquetopenia em envenenamentos” de 2011 a 2013 com o apoio FAPESP na
modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular.
“Na maioria das ocorrências, o soro antiofídico é eficaz para tratar as
picadas de jararaca; em casos mais graves, porém, pode ocorrer uma hemorragia
muito intensa que deve receber tratamento específico”, disse o pesquisador.
Para entender como o veneno da jararaca afeta o sistema de coagulação e
as plaquetas (células que ajudam a controlar a perda de sangue), foram feitos
experimentos em ratos utilizando duas vias de inoculação, a subcutânea e a
intravenosa. Com isso, procurou-se verificar a importância da lesão local na
indução da plaquetopenia (redução da contagem de plaquetas no sangue) e das
alterações do sistema de coagulação.
O estudo também testou a importância das duas principais classes de
toxinas presentes no veneno, as metaloproteinases e as serinaproteinases; para
isso, o veneno da jararaca foi incubado, antes de ser injetado nos animais, com
inibidores apropriados. O objetivo da incubação do veneno é promover a inibição
de determinadas enzimas. Como já se sabe, ambas as classes apresentam atividade
anti-hemostática, ou seja, impedem a detenção da perda sanguínea, reação que
ocorre quando o organismo tenta inibir uma hemorragia.
De acordo com os resultados, as duas classes de toxinas não estão
diretamente envolvidas na origem da plaquetopenia induzida pelo veneno da
jararaca, o que suscitou a conclusão de que outros mecanismos ou toxinas do
veneno devam ser responsáveis pela redução das plaquetas. No entanto, as
metaloproteinases do veneno se mostram essenciais para o desenvolvimento dos
distúrbios da coagulação.
Essa evidência contesta uma opinião difundida ao
longo dos anos entre médicos e cientistas, de que as serinaproteinases são as
toxinas mais importantes para o consumo do fibrinogênio, proteína envolvida no
processo de coagulação sanguínea e cuja diminuição no sangue favorece o quadro
hemorrágico decorrente da picada da jararaca.
Outro dado importante levantando foi que a lesão provocada no local da
inoculação do veneno pode estimular a liberação de fator tissular na circulação
sanguínea. Conhecido também como tromboplastina, o fator tissular é uma
substância presente em tecidos, monócitos e plaquetas que desempenha um papel
fundamental na coagulação sanguínea.
“O aumento do fator tissular na circulação torna a ação do veneno mais
potente, aumentando os danos nos tecidos ao favorecer a coagulopatia, que são
distúrbios de coagulação”, acrescentou Santoro, ressaltando que o estudo da
ação dos venenos ofídicos ao longo do século XX ajudou a ciência a descobrir os
mecanismos da coagulação sanguínea.
O artigo Bothrops jararaca venom metalloproteinases are essential for
coagulopathy and increase plasma tissue factor levels during envenomation,
descrevendo todos esses resultados, será publicado na revista PLOS Neglected
Tropical Diseases.
Parceria com Argentina – O projeto contou com a participação da pesquisadora María Elisa
Peichotto, da Universidad Nacional del Nordeste (NDDE) da Argentina. O trabalho
foi aprovado na chamada do acordo de cooperação científica assinado em 2010
entre a FAPESP e o Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas
de la República Argentina (Conicet).
A pesquisadora argentina é a autora principal de um artigo científico
desenvolvido durante o projeto, Inflammatory effects of patagonfibrase, a
metalloproteinase from Philodryas patagoniensis (Patagonia Green Racer;
Dipsadidae) venom, publicado no periódico Experimental Biology and Medicine.
A parceria com o país vizinho ainda colaborou para a realização da
primeira Jornada “Investigación biomédica de animales venenosos de la selva
paranaense”, realizada em maio de 2013 na cidade argentina de Puerto Iguaçu.
Outro fruto importante do projeto foi a pesquisa de mestrado “Patogênese
dos distúrbios hemostáticos sistêmicos induzidos pelo veneno da serpente
Bothrops jararaca”, da estudante Karine Miki Yamashita, apoiada por uma bolsa
FAPESP.
Santoro pretende agora continuar a investigação sobre o fator tissular e
os mecanismos envolvidos com ele. “Conhecendo-o melhor poderemos colaborar para
combater a sua ação nos casos de envenenamento”, diz.
(Fonte: Agência FAPESP)