Dormir protege cérebro de doenças neurodegenerativas

Pesquisa é a primeira a apontar função vital do sono, que limpa as toxinas acumuladas durante o dia. Insônia poderia ser agravante para doenças como Alzheimer, Parkinson e demência.


Uma noite bem dormida não somente ajuda a renovar as energias e consolidar melhor a memória, como também é fundamental para o bom funcionamento do cérebro. Usando ratos, pesquisadores conseguiram provar pela primeira vez que o espaço entre as células do cérebro aumenta durante o sono, permitindo que ele elimine as toxinas acumuladas no estado acordado. O estudo foi publicada na revista americana "Science" e evidencia um novo papel para o sono na manutenção da saúde e no desenvolvimento de doenças neurodegenerativas como a demência, o Alzheimer e o Parkinson.

- Esse é o primeiro estudo a provar que existe um processo vital que só acontece durante o sono. Antes sabíamos que algumas funções melhoravam com o sono, como a consolidação da memória e o ajuste de forças da sinapse, por exemplo, mas agora eles comprovaram que existe algo que só acontece quando dormimos - explica a neurocientista Suzana Herculano-Houzel, autora de um artigo sobre a pesquisa na revista americana.

Os motivos que levam as pessoas a dormirem e as funções do sono são um enigma para cientistas e filósofos há séculos. Financiado pelo Instituto Nacional de Distúrbios Neurológicos e Derrame (NINDS, na sigla em inglês), o estudo foi liderado por Maiken Nedergaard, codiretora do Centro de Neuro Medicina da Universidade de Rochester, em Nova York, e apontou que o espaço intersticial (entre as células) do cérebro chegava a aumentar em 60% quando os ratos estavam dormindo ou anestesiados. Com esse aumento de espaço entre as células, os cientistas notaram que o cérebro abria um canal de escoamento denominado sistema glymphatic, por onde as toxinas eram eliminadas.

- Quando estamos acordados, as moléculas se acumulam. Algumas, inclusive, estariam ligadas ao sono. É como se o cérebro se autorregulasse. Quando temos muito acúmulo de moléculas, e assim ficamos mais lentos, com menor capacidade de raciocínio, dificuldade para encontrar palavras, entre outros sintomas, temos sono. E quando dormimos essas moléculas são eliminadas - explica Suzana.

Para chegar aos resultados, os pesquisadores injetaram corante no líquido cefalorraquidiano dos ratos e deixaram que ele fluísse enquanto monitoravam suas atividades cerebrais. Quando estavam inconscientes (adormecidos ou anestesiados), o corante fluía rapidamente. Acordados, o fluxo diminuía para apenas 5% do que era escoado durante o sono.

- Ficamos surpresos com a pouco quantidade de fluxo que havia no cérebro enquanto os ratos estavam acordados - disse Nedergaard.

O espaço entre as células foi medido por eletrodos inseridos no cérebro dos animais. Segundo o estudo, a diminuição do espaço entre as células no estado acordado está ligada ao hormônio noradrenalina, que aumenta a atividade cerebral.

- A noradrenalina faz o cérebro acordar pois aumenta a atividade dos neurônios e com isso eles acabam inchando. Esse estudo abre novas perspectivas para a busca de uma droga que ajude a limpar o cérebro mesmo no estado acordado. Imagina poder ajudar pessoas que correm risco de morte ao adormecer no trabalho, como pilotos de avião, por exemplo? - analisa Suzana.

Estudos anteriores já haviam sugerido que moléculas tóxicas envolvidas em desordens neurodegenerativas se acumulavam no espaço entre as células do cérebro. Na pesquisa da Universidade de Rochester, os cientistas injetaram beta-amiloide, uma proteína associada ao Mal de Alzheimer, no cérebro dos ratinhos, medindo em quanto tempo eles conseguiam eliminá-la. A beta-amiloide desapareceu rapidamente quando os ratos estavam adormecidos.

- Já é documentado que a insônia é um dos sinais de doenças como o Parkinson e o Alzheimer, mas costumávamos pensar que seria uma consequência delas. Agora podemos começar a pensar na falta de sono como um agravante - ressalta Suzana. - Esse estudo é muito importante pois os neurocientistas sempre preferiram estudar o funcionamento das células e nunca tiveram muito interesse pelo que acontecia no espaço entre elas. O resultado vai aumentar o interesse pela área, abrindo um número enorme de possibilidades.

(Maria Clara Serra/O Globo)