Mosquitos “vacinados” agem contra a dengue

Uma pesquisa desenvolvida pela Universidade de Queensland, em Brisbane, na Austrália, acena para a possibilidade de se controlar a transmissão do vírus da dengue. Quarenta cientistas do mundo inteiro participam do trabalho de microinjeção de embriões – que deixam o mosquito Aedes aegypti mais resistente à dengue e, portanto, dificultam a transmissão – e um brasileiro, de Belo Horizonte, acredita que o país também tenha potencial para desenvolver o estudo.

Para o pesquisador do Laboratório de Malária do Centro de Pesquisas René Rachou da Fundação Oswaldo Cruz em Minas Gerais (CPqRR/Fiocruz), Luciano Andrade Moreira, a descoberta, aliada à conscientização da população, pode acabar com a epidemia de dengue no Brasil a médio e longo prazo.

Os estudos começaram há seis anos, quando cientistas australianos decidiram injetar em ovos do Aedes aegypti a bactéria Wolbachia, encontrada nas moscas-das-frutas, as drosófilas. Só para conseguir introduzir a bactéria nos ovos foram quatro anos de testes. Os especialistas descobriram que a bactéria causava a morte prematura das drosófilas e o mesmo conceito foi aplicado ao mosquito transmissor da dengue. Assim, os pesquisadores conseguiram reduzir a longevidade do inseto infectado com a doença.

“A ideia era fazer o mosquito morrer logo, para não transmitir o vírus da doença. Mas descobrimos outras implicações para a cadeia alimentar e o meio ambiente e, por isso, há dois anos, começamos a trabalhar com a bactéria de outra forma, apenas bloqueando a transmissão da dengue, sem que o mosquito precisasse morrer. É como se o mosquito fosse vacinado e ficasse resistente ao vírus”, explica o pesquisador do CPqRR/Fiocruz.

Dez mil ovos foram usados nos testes ao longo de seis anos, mas apenas duas larvas fêmeas conseguiram se tornar adultas e procriar. Segundo o cientista mineiro, toda a linhagem de mosquitos, a partir dessa geração, terá a bactéria em suas células e estará “protegida” da dengue.

“Se esse projeto der certo, será suficiente. A partir do mosquito solto na natureza, a bactéria é transmitida mais facilmente, aumentando a prole protegida que invade a população. É um grande passo no combate à dengue e, com ações conjuntas, pode ser a salvação.”

O ciclo do mosquito não é longo. O Aedes aegypti demora 15 dias para se tornar adulto. Depois de cruzar, a fêmea pica o humano e suga o sangue para poder procriar, o que ocorre quatro ou cinco vezes ao longo de sua vida. De acordo com Luciano Andrade, cada fêmea põe cerca de 500 ovos em 30 dias, tempo médio de vida do inseto. Durante os estudos na Austrália, apenas 30% dos 10 mil ovos que receberam a bactéria Wolbachia nasceram. A maioria, segundo Luciano, estourava. Das larvas, porém, 90% não apresentavam a bactéria e muitas também ficavam estéreis.

Na segunda etapa da pesquisa, os especialistas escolheram dois subúrbios da cidade de Cairns, no Nordeste da Austrália, em localidades confinadas por canaviais e com casos de dengue. A partir de agora, a cada semana, por um período de 12 semanas seguidas, 10 insetos infectados com a bactéria serão soltos em cada uma das residências. Depois, é só esperar a dispersão dos mosquitos e a disseminação da infecção pela bactéria.

“Já são 70 gerações de mosquitos com a bactéria. Agora estamos no processo de liberação desses insetos na natureza e, até o meio do ano que vem, já teremos resultados”, acredita.

A concepção e o desenvolvimento do projeto custaram US$ 18 milhões. Na Austrália, país que não tem epidemias de dengue, são apenas mil casos por ano – o Brasil registrou cerca de 900 mil casos em 2010.

Exportação – Alguns mosquitos “vacinados” seguem em setembro para o Vietnã, país que se assemelha ao Brasil em números de casos, guardadas as proporções do tamanho do território e da população. O pesquisador da Fiocruz Minas Luciano Andrade Moreira já solicitou ao Ibama autorização para trazer ao Brasil mosquitos infectados com a bactéria Wolbachia. Ele aguarda a decisão para dar início aos estudos de laboratório. Em 2011, os cientistas vão desenvolver o mesmo trabalho na Tailândia.

Luciano é engenheiro agrônomo e doutor em genética. Ele foi convidado a participar das pesquisas por dois anos e meio, em seu pós-doutorado, e voltou ao Brasil em janeiro, com a expectativa de conseguir desenvolver o trabalho e apresentar a sugestão ao Ministério da Saúde, por intermédio da Fiocruz.

“Nosso país tem um grande potencial para desenvolver essa pesquisa, mas precisamos avançar muito ainda. Precisamos fazer estudos em laboratório, que devem demorar pelo menos dois anos, e pedir autorização do Ministério da Saúde para as outras fases do projeto. O Aedes aegypti não é encontrado infectado na natureza. Por isso, é preciso avaliar o impacto ambiental e viabilizar um lugar no país para a liberação desses insetos com a bactéria. Precisa ser um local que não tenha muitos casos de dengue, que seja mais isolado e não registre migração de pessoas. Também precisamos da aceitação da população, da aprovação das autoridades e de financiamento. O estudo é só o ponto de partida”, afirma o pesquisador.

Mortes aumentam – Em 2010, as vítimas da dengue dobraram no país. Em relação ao ano anterior, houve um aumento de 89,7% no número de casos, de acordo com resultado parcial do Levantamento de Índice Rápido de Infestação por Aedes aegypti 2010, divulgado em novembro de 2010. De janeiro até 16 outubro, foram registrados 936.260 casos contra 489.819 do ano anterior. No mesmo período, a doença levou à morte 592 pessoas. Em 2009, foram 312 casos fatais.

Para Luciano Andrade, ainda que o projeto dê certo, não se pode descartar o uso do inseticida, as campanhas sociais de educação da população e até a criação de uma vacina contra a dengue.

(Fonte: Zero Hora/RS)

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