Do látex extraído da seringueira amazônica os pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) estão desenvolvendo novos produtos para a área da saúde, destinados principalmente a pacientes diabéticos. “É uma matéria-prima de fácil manuseio e barata, porque o litro de látex custa cerca de R$ 17,00”, diz a professora Suélia Rodrigues Fleury Rosa, do Laboratório de Engenharia e Inovação da UnB do campus de Gama, a 30 quilômetros da capital federal, coordenadora da pesquisa. O primeiro projeto desenvolvido pelo grupo é uma prótese de esôfago para controle da obesidade e do diabetes tipo 2. “É um dispositivo biocompatível e flexível que tem a função de controlar a ingestão alimentar pela redução do diâmetro do esôfago, órgão que funciona como um tubo condutor entre a faringe e o estômago”, diz Suélia.
Ao ser inserido no esôfago por via endoscópica, o dispositivo, indicado para ser usado por até 10 dias, causa resistência à passagem dos alimentos, tornando a ingestão mais lenta devido à necessidade de mastigação prolongada. “Esse efeito sobre a mastigação exerce influência nos mecanismos desencadeadores da saciedade e ajuda na reeducação alimentar de pacientes obesos, com consequente perda de peso e melhora nos níveis de glicemia”, diz Suélia. Nos testes experimentais feitos em cães, endoscopias comparativas feitas antes da colocação do módulo no esôfago e após a retirada do dispositivo, que permaneceu no organismo entre sete e 15 dias, mostraram que toda a área do órgão se manteve íntegra, sem nenhuma alteração.
Atualmente, além da cirurgia bariátrica – redução do estômago, que é o último recurso usado contra a obesidade extrema, mas impõe uma série de limitações aos pacientes –, existem outras formas de tratamento, também classificadas como cirúrgicas e menos radicais. São as chamadas técnicas restritivas, como a banda gástrica ajustável e o balão intragástrico, similares ao módulo criado na UnB, chamado de controlador de fluxo esofagiano (CFE). A principal diferença entre eles é o local onde são aplicados, porque os dois dispositivos que estão em uso atuam na compressão do estômago.
A banda gástrica ajustável consiste em uma fita de silicone colocada na parte alta do estômago. Após ser insuflada leva a um estreitamento do órgão, diminuindo sua capacidade em torno de 30 mililitros, o que restringe o volume da alimentação. “Essa técnica é indicada para pacientes não muito obesos, já que a perda de peso fica em torno de 20%, que não gostem de doces e álcool”, diz Suélia. “Entre as complicações pós-cirúrgicas estão dilatação do esôfago pela dificuldade de esvaziamento do órgão, obstrução total do estômago e infecção por contato com líquido digestivo.” A outra técnica é o balão intragástrico, prótese de silicone de formato esférico introduzida pela boca e levada ao estômago. É uma técnica útil para coibir a ingestão de alimentos de consistência pastosa ou sólida, mas não para líquidos. “Bebidas alcoólicas e outros líquidos com grande teor calórico são bem tolerados e, quando usados compulsivamente, se tornam a causa de insucesso do método para perder peso”, ressalta a pesquisadora.
O dispositivo da UnB tem o formato de um balão cilíndrico de oito centímetros de comprimento, com a superfície interna lisa e a externa ondulada com ranhuras. A aplicação é feita por endoscopia, com o balão vazio, na parte superior do órgão. Depois de posicionado no local correto, ele é inflado com oxigênio. “O objetivo do tratamento é que o paciente aprenda a mastigar e a comer corretamente com a ajuda de fonoaudiólogos, médicos especialistas e psicólogos”, diz Suélia. O projeto de desenvolvimento do CFE, que começou a tomar forma em 2006, durante o doutorado de Suélia, recebeu o Prêmio Santander de Empreendedorismo e de Ciência e Inovação em 2008 e o Prêmio Jovem Inventor da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal em 2009. A ideia surgiu a partir da observação de que pessoas com patologias obstrutivas de esôfago, como anel esofágico inferior e membranas esofágicas, apresentam grande perda de peso, mas não desnutrição.
Método inovador - “A minha mentora foi a professora Fátima Mrué, da Universidade Federal de Goiás (UFG), que desde 1994 estuda o látex”, diz Suélia. Fátima desenvolveu junto com o professor Joaquim Coutinho Netto, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, uma biomembrana à base de látex usada como curativo para feridas crônicas (leia mais sobre o assunto na edição 88 de Pesquisa FAPESP), lançada comercialmente com o nome de Biocure pela empresa Pele Nova Biotecnologia. Para o desenvolvimento da prótese de esôfago, a pesquisadora contou com a orientação dos professores Adson Ferreira da Rocha, da Faculdade de Tecnologia da UnB, e José da Conceição Carvalho, da Faculdade de Medicina da UFG.
A próxima etapa do projeto consiste em testar a prótese em cinco voluntários durante um período de 10 dias. “A perda de peso esperada é de cerca de um quilo por dia”, diz Suélia. “O estudo em um grupo pequeno deve-se à inovação do método e também para que todas as questões referentes à metodologia, aos riscos e aos desconfortos possam ser tratadas com maior grau de segurança.” O pedido para testar em voluntários está sendo avaliado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Goiás, onde os testes serão feitos, e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), vinculada ao Ministério da Saúde. “A fase dos testes em humanos deverá se estender por cerca de um ano e meio”, diz. Depois disso, se tudo correr conforme o previsto, a pesquisadora pretende estabelecer parceria com uma empresa para a fabricação do produto.
O látex também foi a matéria-prima escolhida para ser usada na fabricação de uma palmilha que controla a pressão da pisada dos pés de diabéticos, como forma de prevenir futuras amputações. “Quando o diabético pisa incorretamente, por causa da má circulação no pé, começam a surgir feridas em alguns pontos mais sensíveis, que acabam evoluindo para a perda de dedos ou mesmo parte do pé”, diz Suélia. A palmilha terá um circuito eletrônico de baixo custo que vai monitorar as pisadas dos pacientes. “O controle possibilitará que seja feita uma fisioterapia dirigida para a ferida não evoluir”, relata. Ela também poderá ter em sua composição produtos químicos que ajudam na regeneração do tecido. Outra possibilidade que está em estudo é colocar na peça um laser de baixa frequência para ajudar na regeneração tecidual da ferida. A palmilha já tem um depósito de patente e está sendo analisada pelo comitê de ética da universidade para ser testada em pessoas.
Em um terceiro projeto o látex, depois de seco em estufa e submetido ao processo de vulcanização, é utilizado para fabricação de um colchão inteligente destinado a pessoas que passam longos períodos em repouso, como diabéticos, pacientes internados em unidades de tratamento intensivo e recém-nascidos hospitalizados, como forma de evitar a formação de escaras. O diferencial desse colchão é que os gomos serão inflados e desinflados automaticamente por um circuito interno pré-programado. “O objetivo é fazer uma distribuição de pressão uniforme, mas não contínua”, diz Suélia. Um colchão em escala reduzida está sendo testado pela equipe de pesquisadores para avaliar qual o intervalo de tempo que determinado ponto da pele suporta a pressão, quanto tempo aguenta e outros parâmetros. Com base nessas informações, será feita a configuração do colchão de acordo com as necessidades de cada paciente. As três pesquisas fazem parte de um projeto chamado Bioenglatex – desenvolvimento de dispositivos de látex aplicados à medicina.
Fasesp-Dinorah Ereno
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