Alemanha investe em sol e vento para obter mais e melhor energia

Alemanha investe em sol e vento para obter mais e melhor energia. Sol e vento são atualmente os principais combustíveis da pesquisa sobre fontes renováveis de energia na Alemanha

Com investimentos de cerca de 280 milhões de euros por ano em estudos nessa área, a Alemanha pretende consolidar seu papel de vanguarda no setor e tornar a energia solar e a eólica responsáveis pela maior parte de sua matriz.

"É uma questão econômica, de tornar o país independente. Temos um longo caminho pela frente, mas o desenvolvimento dessa área é prioridade", diz Annete Schavan, ministra de Educação e Pesquisa da Alemanha.

Em meio à polêmica da sobrevida de 14 anos concedida recentemente pelo governo às usinas nucleares, revogando decisão de fechá-las gradativamente, os alemães fortalecem as pesquisas sobre energias alternativas, principalmente solar e eólica. Só os investimentos governamentais chegam a 280 milhões de euros.

O objetivo do país é ambicioso. Hoje bastante dependente de fontes nucleares para abastecer seu consumo energético, o maior da Europa, a Alemanha quer ter, até 2050, 80% de sua eletricidade proveniente de fontes renováveis, segundo plano anunciado em setembro.

Em 2009, o patamar foi de 16%, sendo a maior parte (40,5% desse total) oriunda dos moinhos de vento. A biomassa é fonte de 32,5% da produção elétrica renovável, enquanto as hidroelétricas respondem por 20% e a solar, 7%.

Na contabilidade da energia consumida, o percentual cai para 10,5% em 2009. A meta imposta pela União Europeia aos alemães, nesse item, é chegar a 18% em 2020. No atual conjunto, a biomassa assume liderança entre as fontes renováveis, com 7% do total consumido, devido aos biocombustíveis. Na conta da produção energética, as turbinas eólicas representam só 1,6%.

Os percentuais são um pouco maiores do que os de 2008 (16% contra 15,1% no consumo de eletricidade e 10,5% contra 9,5% no total). O governo, porém, admite que isso se deve à crise financeira, cujo impacto levou o consumo do país a cair 5% de um ano para o outro e, consequentemente, a demandar menor produção nas demais fontes.

A ideia é diversificar origens e melhorar a eficiência da produção e do consumo. "E se alguma pesquisa falhar? Temos que apostar em diversas alternativas", explica Henning Krassen, pesquisador do Projeto Jüelich, uma das iniciativas do governo para fomentar o desenvolvimento de novas indústrias elétricas.
Investimentos

Para tanto, o governo alemão investiu, somente em 2009, 277,4 milhões de euros em pesquisas sobre energias renováveis. A maior fatia veio do ministério do Meio Ambiente, Conservação da Natureza e Segurança Nuclear (BMU, na sigla em alemão), responsável pela alocação de 118,4 milhões de euros em projetos de universidades, empresas e centros de pesquisa ligados às novas fontes de energia (32 milhões a menos, no entanto, do que o disponível em 2008. A queda se deve à crise financeira, de acordo com o governo).

O montante é ainda maior se considerada a contrapartida das instituições privadas nos projetos, que varia de 50% a 70%, e o financiamento direto de universidades e centros de pesquisa.

O investimento em novas fontes energéticas vem desde a primeira crise do petróleo, mas esteve por muito tempo voltado para o aumento da eficiência das térmicas e das usinas nucleares, cuja segurança ainda é alvo de estudos, além da desativação de unidades radioativas.

Desde 2008, porém, os estudos dedicados a fontes renováveis têm ocupado espaço praticamente similar ao das nucleares.

Silício

Em relação à energia solar, receptora de 38,5% recursos direcionados à pesquisa, a intenção é torná-la competitiva no mercado elétrico. Hoje, a fonte conta com fortes subsídios governamentais. Até 2020, os produtores receberão a diferença do custo da energia gerada com seus painéis em relação ao que estiver disponível no mercado.

A iniciativa deu certo - incentivou indústria e produtores a ponto de fazer o preço dos sistemas cair 25% desde 2008. No fim de 2009, os painéis fotovoltaicos tinham capacidade instalada de 9 GW, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA). O número torna a Alemanha o principal país produtor de eletricidade a partir de energia solar.

mo Hoje, os subsídios estão sendo cortados para não sobrecarregar as contas públicas e a indústria, que tem relatado dificuldades em atender a demanda.

Daqui a dez anos, o governo reverá o subsídio, mas, de acordo com Hans Möller, diretor do Instituto de Física Experimental da Universidade Técnica de Freiberg, ele deve ser mantido, ainda que em menor escala.

Möller é um dos pesquisadores envolvidos no "Vale do Silício" alemão, área do centro do país cujas universidades, empresas e centros de pesquisa têm se especializado no desenvolvimento de novos painéis solares, alguns feitos de silício, outros de novos materiais.

O projeto Solarvalley Mittedeustchland começou em janeiro de 2009 e envolve 29 empresas, nove centros de pesquisa e quatro universidades dos estados da Saxônia, Alta Saxônia e Turíngia. O cluster terá 80 milhões de euros disponíveis até 2013, repartidos igualmente entre governo e indústria.

Um de seus objetivos é aumentar a eficiência dos painéis solares, o que, segundo pesquisadores e industriais, seria a melhor forma de baixar custos. O padrão atual de aproveitamento da luz solar é de 16%, mas é possível chegar a 20% em poucos anos. "Há diferentes cenários para o aproveitamento da energia do sol", garante Heinrich Mentzer, pesquisador do Instituto de Física de Estudos Sólidos da Universidade de Jena.

Um dos cenários é o desenvolvimento de placas com filmes ultrafinos de diselenieto de cobre, índio e gálio (CGIs), cadmo e telúrio (CdTe) ou silício multicristalino, materiais que compõem os semicondutores das placas fotovoltaicas.

Seu desenvolvimento demandou novas máquinas, processos de produção e materiais. Projeções do BMU mostram que essas tecnologias devem ocupar 30% do mercado de placas até 2015.

Ventos

Já com relação à energia eólica, a preocupação é desenvolver tecnologias de instalação marítima de turbinas e reduzir custos de fabricação, aspectos essenciais para as empresas germânicas manterem sua liderança no mercado mundial.

Atualmente, a força dos ventos é responsável pelo abastecimento de 6,4% da eletricidade alemã. São mais de 21 mil moinhos espalhados pelo país, principalmente no centro e no norte, com capacidade instalada de 25 GW (em comparação, o Brasil possui 835 MW instalados. Os EUA, maiores produtores de energia eólica, possuem 35 GW).

O BMU aprovou, em 2009, 45 projetos, que totalizam 28 milhões de euros. Novamente, a crise financeira foi a vilã dos investimentos. Crescentes até 2008, os recursos destinados à pesquisa de energia eólica caíram em 2009. Ainda assim, os pesquisadores afirmam haver dinheiro suficiente.

O principal projeto alemão no momento é o Rave (sigla em inglês para pesquisa em Alpha Ventus). Com ele, o governo pretende obter expertise na instalação de turbinas eólicas nos mares do Norte e Báltico, além de testar meios mais eficientes de ligar as fazendas ao sistema elétrico e pesquisar o impacto ambiental da nova tecnologia.

"Nosso desafio é tornar a rede estável e segura", afirma Gerrit Mohlmann, pesquisador do Instituto Fraunhofer de Energia Eólica e Tecnologias de Sistema Energético, criado em 2009. O governo alemão promete injetar 25 milhões no cluster do Rave nos próximos cinco anos.

A busca pelo mar resolveria duas questões que surgiram nos últimos anos: aumentar a potência das turbinas e não prejudicar paisagens rurais do país. As turbinas instaladas em alto-mar produzem, em média, 30% a mais de energia do que as terrestres. Por outro lado, o custo de conexão com o sistema é 50% maior.

Estão sendo testados ainda, em três grandes áreas em alto-mar, diferentes mecanismos de fixação das torres, que variam em sua estrutura de acordo com o terreno e as condições climáticas.

Assim, uma turbina pode ter pilares triplos, únicos ou duplos. Os 12 moinhos do projeto, com capacidade de 2,5 MW ou 5 MW cada, possuem um item adicional - sensores de alta sensibilidade, encarregados de analisar as condições eólicas a fim de possibilitar projeções de produção de energia. A imprevisibilidade do fornecimento é um dos grandes problemas das usinas, já que a força e o horário dos ventos não podem ser controlados. Assim, é preciso saber quando haverá mais ou menos energia a fim de acionar o sistema para não haver instabilidades.

Outra questão é a durabilidade das hélices. Com mais ventos, as turbinas giram mais rápido e, portanto, precisam ser mais resistentes. O projeto Rave inclui uma usina de testes de resistência e durabilidade.

Assim, junto com as iniciativas de energia geotérmica, de uso eficiente de energia e utilização de biocombustíveis já em curso no país, os alemães buscam atingir sua meta de ser uma economia de baixo carbono.

(Marcelo Medeiros, do Jornal da Ciência. O repórter viajou a convite do Serviço de Intercâmbio Acadêmico Alemão, o DAAD)

Nota da redação: Esta reportagem foi originalmente publicada na edição 679 do Jornal da Ciência, que tem conteúdo exclusivo em sua versão impressa. Informações sobre como assinar a publicação podem ser obtidas pelo e-mail jciencia@jornaldaciencia.org.br  ou pelo fone (21) 2109-8989.

(JC)

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